sábado, 24 de noviembre de 2007

Elogio ao amor

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Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.
“O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio- ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? "


Miguel Esteves Cardoso



3 comentarios:

NMS dijo...

Este é simplesmente um dos textos do MEC que consta entre os meus favoritos... A partir daí o que dizer mais?

O que dizer quando o teu coração, todo o teu corpo pára só por estares perante aquela que te controla o espírito?

O que dizer quando tudo dentro de ti parece que explode só por quereres gritar ao mundo, ou sobretudo a alguém no mundo, que ´



Basta ver pela parca qualidade

NMS dijo...

Este é simplesmente um dos textos do MEC que consta entre os meus favoritos... A partir daí o que dizer mais?

O que dizer quando o teu coração, a tua mente, o teu corpo, todo o teu corpo pára só por estares perante aquela que te controla o espírito?

O que dizer quando tudo dentro de ti parece que explode só por quereres gritar ao mundo, ou sobretudo a alguém no mundo, que procuras aquele sorriso, aquela voz, em cada olhar que se cruza contigo na rua?

O que dizer quando resvalas para aquele labirinto impossível em que não consegues mais estar longe e apartado, porém não podes sequer dela aproximar-te porque, denunciado por ti próprio, ouves cantar aos quatro ventos a loucura que é tudo em ti?

Não é isto, "isto", esta confusão de explosões e implosões, é o combustível dos nossos motores, a própria essência do sentir-se vivo?

E sobretudo, finalmente, como o MEC, o que dizer quando observas todos ao teu redor a abdicar voluntária e economicisticamente deste ser mais além, ou simplesmente, deste verdadeiro "ser"?

Bastará ver por estas minhas pobres palavras, e por esse blog que anda por aí perdido, qual é o meu lado da barricada, o que seguramente, dada a parca qualidade, não augurará nada de bom para a contenda. Mas até esse facto, da derrota e da loucura consumadas, encerram em si mesmos um romântico e impossível encanto. Como o Amor.

(sorry, não resisti e hoje deu-me para isto)

Anónimo dijo...

Incrível... falo tantas vezes disto e nem sabia que alguém já o tinha plasmado täo bem em papel... O Miguel Esteves Cardoso tirou-me as palavras da boca... do coraçäo. Eu ainda acredito... Um beijo grande e obrigado!